sábado, abril 4

Ó alma do meu peito.

Ó alma do meu peito. Desafoga-me destas amarras de pensamentos que me envolvem, que me apertam o ar respiratório. Não me deixe aqui assim. Neste preparo, nestas, nestas tristes bancadas do espectáculo do mundo. Sossega-me. Quero respirar. Liberta-me novamente. Como fizeste com todos eles. Vê? Esta vida que trago comigo, nada mais me deu do que as mágoas que os outros deixam nos cantos das suas almas. Quero parar. Parar de receber tudo isso e muito mais. Quero deixar de ser nada. (Penetrando o chão com um olhar isolado) Tornar-me no que deveria ser e deixar de ser o que não devo ser. Ter a força e a vontade de dizer: sou eu, aqui estou, vamos cavalgar os prados existentes lá fora. Mas... Tudo me passa, tudo me foge. Respirar e cansar-me de tanto gritar que amo o mundo e a vida que tu me dás a cada momento, a cada dia em que acordo e olho para o sol. Quero partilhar esta alma. Dar parte de mim a alguém. Não. Não o quero, é demasiado novo.

(O vento passa-lhe pela face, refrescando-a por completo.)

E Você? Não dizeis nada? Que faz aqui? Fale. Quero ouvir a sua voz. Vá. Tudo bem. Saia. Saia, não vos quero, não quero mais falar, nem ouvir falar de histórias nem de contos ou lendas. Deixai-me aqui sozinha. Porque te mantens aqui? Vai-te! Já!

Assunto pessoal:
Este problema desde os 15 anos, que tenho no corpo que passou para a mente e que me afecta por completo. Que poderei fazer? Lutar contra algo que não posso mudar nem controlar? Porque tenho eu de aguentar este fardo? Mereço? Porque tenho de sofrer com os erros dos outros que agora são apenas meus? Poderia estar atento naquela altura, e a outra altura diminuiu. Não pude fazer nada. Sinto-me paralisado num corpo que se pode movimentar. Quero ficar sem este peito. Tirá-lo. Não sentir nada. Pedro Mota!!!

(A mão, sobressai neste movimento conjunto com a face molhada pelas gotas caídas do céu.) Tocam-me, mostram-me o que é sentir com o coração. Olho-me ao único espelho existente em casa. Pertencia ao meu visa avô. Era dono dos campos de laranjas daqui da vila. Era admirado, não pelo que tinha, mas pelo que era. Ouço sempre histórias sobre ele, e toda agente fala sobre ele. Dizem que sou parecida com ele. Que tenho a sua visão e o espírito revolucionário e uma mão firme. Dizem que os meus olhos falam por mim, e que os meus gestos seguem o meu olhar firme e sincero. Tenho o espírito dele, dizem. Eu penso que será a sua maneira de não o esquecer, mas sei que por vezes poderei ser tal como ele. Alegra-me o facto de poder ser assim como ele. Ser tão simples e ao mesmo tempo firme nas atitudes que me rodeiam. É tudo tão mágico cada vez que penso nele. O mundo torna-se lindo e tudo o que está mal se torna bem e fica tudo admiravelmente bonito e simpático. Tudo se torna tão, tão simples, como as nuvens que pairam no céu iluminado pela luz do sol que me dá amor e calor durante todo o dia. Nem lhe peço ele apenas aparece à minha janela esperando por mim. É como se me tivesse tornado no seu melhor amigo. É mágico. Ao mesmo tempo tão confuso. Ele não está cá. Queria tanto vê-lo. Só mais uma vez. Dar-lhe um abraço forte e bem apertado. Quero que ele veja que já estou graúda. Mostrar-lhe... (Elevando os olhos ao céu, reflectido e imaginando a imagem do seu avô nas nuvens que voam em cima dela até que liberta um suspiro profundo e aconchegante.) Quem és tu Sol? (Liberta-se da imaginação que lhe entretém a mente.)
Mostrar-lhe... (Solta-se uma pequena lágrima salgada do canto do seu olho esquerdo reflectindo o verde dos seus olhos.) Sinto-me tão mal. Tão errada. Uma vida simples era tudo o que eu queria, respirar a calma dos mares, das florestas que me rodeiam, caminhar ao lado dos animais que me cercam. Queria fazer tanto, e nada posso fazer. Dizem-me que a vida é simples, que basta escolher. Como é que eu sei que a escolha que fiz foi a melhor? Só depois de a ter feito não é? Não se pode abrir a porta antes de escolher?!. (Agarra-se ao pilar redondo no centro da divisão)

Quero respirar de novo. Dás-me o mundo a preto e branco na esperança que o pinte ás cores. Para que quero eu as cores? Para o tornar mais bonito? Ele já é bonito a preto e branco. Fica mais simples assim. Não me obrigue. Eu pintarei o preto da minha alma com essas suas cores. Fazê-la como nova. Então aqui estou. A rezar por mim. Sinto-me escrava de mim mesma. É tão subtil este sentimento que me apercebo que não estou presa por mim mas a mim própria. Afectas-me, sabias alma do meu peito? Fazes-me sofrer. E sabes-o e mesmo assim não deixas de bater aí dentro. Pára de uma vez por todas. Que morra de falta de pulsar, sem ar nos pulmões, sem a respiração efectuada com precisão de a cada 10 segundos existentes na minha vida. Se pudesses esperar até que eu me torne mais forte... Espero sempre pelo melhor, mas tu sempre me tiras tudo, significam tanto para mim. Estará mesmo isto a acontecer? Eu espero voltar a ser feliz com o tempo que me resta de vida. E espero que tu, não impliques na minha enorme vontade de viver. Pois quem irá parar serei eu. Assim não terás como viver nem fazer sofrer toda esta alma que deseja que desapareças ou pares de fazer o que fazes. Pai, dá-me a mão. Ajuda-me a levantar. Estou demasiado estafada para o fazer sozinha. Mãe? Não me ajudam?

Que fazer? Ignoram-me como se não existisse nas vossas vidas. Fecho estes olhos cegos, na esperança de que tudo se faça desaparecer. Que fique limpo e seco. Mentirosos. Contai-me a verdade. Não mereço? Que mereço eu então afinal? Castigai-me em vez. De uma vez só! Quero morrer para não ter de sofrer com todas estas injustiças que voz me trazeis ao mundo, pensando que o irão tornar melhor. Parai com isso já. Não fazeis nada de novo. Parai. Não me enfeitiçais com essas suas coisas. Estarei presa ao sentimento ou àquilo que não compreendo? (Soltam-se lágrimas) Queria passar mais tempo a tentar entender toda esta vida que me pertence. Não ter mais do que uma simples escolha. Como desejos de um mágico imaginário. Quero parar. Era feliz. Não quero ter memórias, apenas uma alma limpa e sossegada. Será pedir muito? Fazes-me vomitar de cada palavra que verbalizas. O que quereis de mim? Queimarias esta casa, se soubesses que morreria? Saías disto vivo?

Ó alma do meu peito!
Porque não me dás sossego?
Será pedir muito,
Que apenas me dês aconchego?

Pedro Mota - Direitos de Autor

5 comentários:

  1. eu não sei bem como agradecer as palavras que me disseste, mas fizeste-me sentir realizada em certos aspectos!
    Obrigado mesmo :)
    beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Vou guardar as tuas palavras Pedro :)
    Obrigado mesmo. As palavras são formas expressiveis de sentimentos profundos e de vivencias corridas em dias de frio, em dias de calor, em dias te tempo incerto.
    beijinho

    ResponderEliminar
  3. Fez-me lembrar 'Sur le fil' de Yann Tiersen (ao piano)

    Inspiração.
    Os textos estão tão "velhos", no bom sentido da escrita, como antigamente os poetas portugueses faziam..
    Tem sempre aquela beleza com mistério envolvido. É tão difícil de traduzir tudo. Estão belos e puros, têm a sua própria alma.
    Acho que já chegaste onde tanto querias ir, ou então estás muito perto.
    Voa alto, Pedro.

    Beijo.

    ResponderEliminar
  4. Thank you very much x)

    ahahaha, eu mágica? Eu acho que sabes tanto como eu que isso mudou à muito in/felizmente.

    Chocante e arruaceiro? Não. Eu sou uma santa, tenho amigos santos e não faço nada disso. (a)
    Só agua e ar x')

    PS: E pode-se notar isso pela minha calma em tudo hoje. Bj*

    ResponderEliminar
  5. E eu agora li o texto de novo e estranhamente dei por mim quase a chorar..

    Quando pensamos que temos tudo é quando nada temos. Não temos mesmo nada. Só restam momentos, coisa fúteis e passageiras.
    Também me pergunto se algum dia irei sair viva de tanta mentira que me cerca. É aí que prefiro que seja eu a acabar comigo do que eles a acabarem com 'o que não me deixam dizer'.
    Nada dura mesmo..

    ResponderEliminar