quarta-feira, junho 16

Crescia nos meus campos...




Esbarro contra uma parede branca. Antes disso não existia o tempo. Não havia o passado nem o futuro. O que para trás daquela parede aconteceu, nunca existiu nesta minha realidade. A idade não pesava no corpo, apenas nas pálpebras dos meus olhos. Pesavam como se me estivessem coladas, impedindo-me de as abrir, não podendo assim ver o meu futuro a acontecer. Escondia-me nas saias da mãe, agarrava na mão do pai, e protegia-me atrás das suas longas e musculadas pernas. Nunca me dei a conhecer, a vida passou que nem um milésimo de segundo à minha frente. Era correctamente asseado e educado, capaz de fazer inveja a qualquer rapaz da minha idade. Desejava namorar com a rapariga mais bonita aos meus olhos que existia na turma, mas nunca quis o meu coração. Corri a vida inteira atrás de sonhos complexos incapazes de se realizar comigo nos meus 5 ou 6 anos de idade. Já na altura tinha a tendência em sonhar mais alto do que qualquer rapaz da minha turma. Não o sabia, mas pensava eu que o conseguia. Pois via-me distante de qualquer "futuro" português no meu imaginário. Brincava como qualquer outra criança normal, com a diferença de ter um irmão gémeo com quem sempre partilhei e nunca o quis fazer. Ter apenas a minha vida e decidir dela o que queria. Esbarrei-me contra muitas coisas durante essa fase de pequena vida e queria algo mais, algo mais do que ser pequeno. Do que apenas olhar para o céu e imaginar-me no futuro, como seria com quem estaria, como seria eu. Quem seria o homem de cara alegre ou triste? Pois eu presumo que já vi esta cara em algum lado.

Entretinha-me com o que a vida me dava, saboreando com o prazer no coração o que a ingenuidade e infância me proporcionavam. Devorava os gelados nas tardes de verão. Crescia nos campos do meu imaginário. Todos os dias eram memórias a serem reconstruídas. Mas eu não sabia isso. Sentia que algo estava perfeito demais e perguntava-me como era possível eu puder viver situações tão perfeitas e outras tão constrangedoras. Até que certa altura disse para mim mesmo: "Eu não quero saber. Adorava saber o que tudo isto era, mas não sou ainda capaz de chegar à resposta." Por isso desisti de querer ser criança ou de sequer crescer como acontece aos adultos. Não me apetecia ficar parado no tempo. Não queria avançar no tempo nem ter de viver. Queria apenas sentir, aproveitar o gostar e envolver-me no saber, perguntando-me intermitentemente, "como era viver?". 

Tantas foram as vezes que metia as mãos ao sol esperando por um presente seu. Tantas foram as vezes que olhava para o sol, esperando que este me sorrisse, me envolvesse nos seus braços e me levasse deste mundo. E em vez disso, fez-me um dia, esbarrar contra uma parede branca. O sentimento foi como se tivesse caído de chapa na água da praia. Abri os olhos e saboreei o sabor do ar. Sentia-me a respirar pela primeira vez. E nesse preciso momento revi nos meus olhos fixados na parede bege do meu quarto, a vida desde que nasci até àquele momento único e pequenino. Apenas com o tempo no relógio a contar. Respirei fundo, abri bem os olhos, perguntando-me onde estava eu. Sentia-me confuso. Para trás, a minha vida tinha-se apagado. Para a frente a vida ainda não existia. Apenas comunicava comigo o relógio da mesinha de cabeceira, como se me disse-se para sair da cama e fosse viver. Senti que foi a primeira vez em que estava mesmo a viver depois de tantos anos passados na minha cabeça. Não sabia quem era, nem como era eu em termos físicos. Não sabia os cantos à casa. Tudo se tinha apagado da minha memória. Dei com os meus pais, mas não sabia quem eles eram. Foi aí que me senti perdido no meio do tempo. No meio do que não era meu. Fora do que um dia fui eu a criar com a imaginação. Suspirei e procurei abrigo nesse tempo, esperando que este me guiasse por estes novos caminhos.

Respiro porque preciso de viver. Vivo porque tenho vontade de conhecer o tempo.

8 comentários:

  1. Isto devia estar publicado num livro, ADORO :p continuo a achar que era o melhor que fazias ;)

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  2. 'Respiro porque preciso de viver. Vivo porque tenho vontade de conhecer o tempo.'

    Ja tinha de saudades de te ler XD
    A tua escrita é um tanto ou quanto diferente...e ainda bem. É bom ser diferente.
    Porta-te mal mas sempre com estilo (a)

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  3. Tens um irmão gémeo? =O

    "Vivo porque tenho vontade de conhecer o tempo", adorei esta citação!

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  4. "Tantas foram as vezes que metia as mãos ao sol esperando por um presente seu. Tantas foram as vezes que olhava para o sol, esperando que este me sorrisse, me envolvesse nos seus braços e me levasse deste mundo."
    Gostei imenso, está brilhante ^^,

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  5. Apenas para dizer que te sigo (:
    Beijinhos e parabéns pelo blog ! *
    P.s.: Muito bom o: adorei !

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  6. Adoro ler os teus textos ^^

    escreves super bem *.*

    beijinho*

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